Revisão da vida toda no cálculo da aposentadoria

Desde 1999, por força de uma regra de transição posta no art. 3º da Lei nº 9.876/99, a aposentadoria é calculada considerando apenas as contribuições posteriores a 1994.

Assim, de acordo com a nova previdência, o valor do benefício será equivalente a 60% da média aritmética das contribuições pagas a partir de julho de 1994.

Da mesma forma, para os que completaram todos os requisitos para aposentadoria antes da reforma (ainda em 2019), são computados os salários mais altos (na proporção de 80%) também a partir deste mesmo mês.

Esta regra, no entanto, prejudica o trabalhador que desempenhou cargos de chefia, ou por qualquer outra razão efetuou contribuições maiores em meses anteriores, de tal forma que a adoção da regra de transição se mostra mais desvantajosa que a adoção imediata da nova regra previdenciária.

Reconhecendo este fato, o STJ entendeu que o princípio da contrapartida e do pagamento do melhor benefício impõem que, em sendo o caso, seja considerada a vida toda de contribuição no cálculo da aposentadoria.

O processo, que está pendente de julgamento pelo STF, foi assim ementado pelo STJ:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SOBREPOSIÇÃO DE NORMAS. APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA PREVISTA NO ART. 29, I E II DA LEI 8.213/1991, NA APURAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORÁVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 3o. DA LEI 9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO SISTEMA ANTES DE 26.11.1999 (DATA DE EDIÇÃO DA DA LEI 9.876/1999). CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO. 1. A Lei 9.876/1999 implementou nova regra de cálculo, ampliando gradualmente a base de cálculo dos benefícios que passou a corresponder aos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo do Segurado. 2. A nova legislação trouxe, também, uma regra de transição, em seu art. 3o., estabelecendo que no cálculo do salário de benefício dos Segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta lei, o período básico de cálculo só abarcaria as contribuições vertidas a partir de julho de 1994. 3. A norma transitória deve ser vista em seu caráter protetivo. O propósito do artigo 3o. da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios. 4. Nesse passo, não se pode admitir que tendo o Segurado vertido melhores contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no momento da concessão de seu benefício, sem analisar as consequências da medida na apuração do valor do benefício, sob pena de infringência ao princípio da contrapartida. 5. É certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a necessidade de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício, não se afigurando Documento: 104617642 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 17/12/2019 Página 1 de 3 Superior Tribunal de Justiça razoável que o Segurado verta contribuições e não possa se utilizar delas no cálculo de seu benefício. 6. A concessão do benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas contribuições. 7. Desse modo, impõe-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando se revelar mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais. Afinal, por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a regra de transição não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva. 8. Com base nessas considerações, sugere-se a fixação da seguinte tese: Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999. 9. Recurso Especial do Segurado provido.

(STJ, REsp  Nº 1.554.596 – SC. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 11/12/2019)

Este precedente vem sendo acompanhado por tribunais em todo o país. Vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. PRETENSÃO AO RECÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL. APLICAÇÃO DE TODO O PERÍODO CONTRIBUTIVO – TESE DA REVISÃO DA VIDA TODA. REGRA DE TRANSIÇÃO QUE SE MOSTROU DESFAVORÁVEL AO AUTOR. DEFERIMENTO DO PEDIDO. 1. Caso em que se pretende a retificação da RMI da aposentadoria deferida administrativamente, para fins de inclusão, no período básico de cálculo do benefício, de todas as contribuições vertidas à previdência, sob o argumento de que a regra de transição, prevista no art. 3º da Lei nª 9.876/99, então aplicada, se mostrou desfavorável em relação ao novo regramento vigente, tendo o magistrado singular julgado procedente o pedido; 2. Aplicada a regra de transição quando da fixação da RMI do postulante, que prevê a utilização dos salários de contribuição recolhidos a partir de julho de 1994 e não as novas regras previstas no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213/91, vigente quando da concessão da respectiva aposentadoria, supostamente mais vantajosas ao autor, tem o mesmo direito de ver recalculado o valor inicial do seu benefício, a fim de que sejam consideradas 80% dos maiores salários de contribuição relativos a todo o seu período contributivo; 3. Apelação desprovida.

(TRF-5, AC 08035070620204058100. Relator: Des. Federal Paulo Roberto de Oliveiro Lima, julgado em 05/07/2020, 2ª Turma) (grifado)

Ou seja, diante da decisão do STJ, o trabalhador que contribuiu com a Previdência antes de julho de 1994 pode requerer judicialmente a adequação do benefício previdenciário já concedido, bem como, ao requerer administrativamente a aposentadoria, pleitear a consideração da vida toda no cálculo do benefício sempre que assim lhe for mais favorável.

Artigo escrito por Letícia Pinheiro Soares, revisado por Luciana Afonso Silva Azevedo

About Author: Adelmo Dias Ribeiro

adelmodiasr@gmail.com

Advogado especialista em liminar judicial na área da saúde e da previdência. Toda a sua carreira foi centrada na resolução ágil de problemas jurídicos. Especialista em Saúde, Previdência, Direito Processual Civil, Direito Tributário. Formou-se na Universidade Federal da Bahia. Realiza patrocínio de mais de 700 ações judiciais ao long do Brasil. Inscrito na OAB/SP, OAB/BA e OAB/SC.

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