PORTADORES DE AUTISMO TEM DIREITO AO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)?
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo o Ministério da Saúde, é um distúrbio crônico caracterizado por perturbações no neurodesenvolvimento do indivíduo, que podem se manifestar em conjunto ou isoladamente.
Essas interferências prejudicam capacidade de comunicação, linguagem, socialização e comportamento restritivo e repetitivo.
A definição de pessoa com deficiência reconhecida pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) é “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Por conta das implicações que o TEA traz para comunicação e interação social, bem como no desenvolvimento neurológico do portador, a jurisprudência reconhece como deficiente o portador do transtorno para fins de recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), instituído pela LOAS.
É importante ressaltar que para a concessão desse benefício assistencial, NÃO é necessário ter contribuído ao INSS, basta preencher os seguintes requisitos, dispostos pelo art. 20 da Lei 9.724/93:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- 2oPara efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
- 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capitaseja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
- 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capitaseja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020)
I – igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020;
- 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
- 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – Cadastro Único, conforme previsto em regulamento.
Ou seja, para a concessão do benefício, o indivíduo deve ser classificado como pessoa com deficiência; não possuir meios à própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (estima-se que a renda mensal por pessoa deve ser inferior a 1/4 de salário mínimo); não receber outro benefício assistencial ou previdenciário (com exceção para aqueles benefícios de assistência médica ou de natureza indenizatória), e por fim, possuir inscrição no Cadastro Único do Governo Federal.
Nesse contexto, a concessão do BPC vem para amparar essas pessoas, considerando suas limitações especiais que dificultam o convívio social e seu próprio desenvolvimento individual, ainda que estejam em tratamento adequado.
Diante disso, o Poder Judiciário tem reconhecido o direito das pessoas autistas de receberem o BPC, disposto nos artigos 20 e seguintes da LOAS. Vejamos:
CONSTITUCIONAL. SEGURIDADE SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC). DEFERIDO. MENOR DE IDADE (07 ANOS) PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. INCAPACIDADE DO PONTO DE VISTA DO CONJUNTO PROBATÓRIO/CONTEXTO SOCIAL EM QUE ESTÁ INSERIDO A AUTORA. REQUISITO DA HIPOSSUFICIÊNCIA PREENCHIDO. LAUDO SOCIAL FAVORÁVEL. IN DUBIO PRO MISERO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO DA PARTE RÉ IMPROVIDO.
(TRF-5 – Recursos: 05051252820174058500, Relator: FÁBIO CORDEIRO DE LIMA, Data de Julgamento: 14/11/2018, Primeira Turma, Data de Publicação: Creta 14/11/2018 PP-)
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E AO IDOSO. ART. 203, V, CF/88. LEI 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS. LAUDO MÉDICO E LAUDO SOCIAL. CRIANÇA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MP. OCORRÊNCIA. TERMO A QUO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PARCELAS DEVIDAS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (…) 2. A concessão do benefício de prestação continuada denominado Amparo Social à Pessoa Portadora de Deficiência Física e ao Idoso (art. 203 da CF/88 e art. 2º, V, Lei 8.742/93) exige apenas a comprovação de que a parte requerente é deficiente e/ou idosa e que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 3. No caso dos autos, a prova pericial (laudo médico) e o laudo social demonstram que a parte requerente é deficiente e que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, devendo ser concedido o beneficio assistencial pleiteado, observado o quanto disposto no art. 21 da Lei n. 8.742/1993, ainda que o direito ao benefício tenha sido assegurado apenas em juízo. 4. Afirmou o Sr. Perito que o autor (nascido em 23/09/2000) é portador de “transtorno espectro autista” (F84) desde o nascimento, …. constatei tratar-se de transtorno do desenvolvimento mental e psicológico com manifestação na infância – apresenta perturbação característica do funcionamento para interações sociais, comunicação e de comportamento …. o transtorno é de longa duração…; (sic, laudo médico pericial).(…).
(TRF-1 – REO: 00319476220174019199 0031947-62.2017.4.01.9199, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, Data de Julgamento: 27/09/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 11/10/2017 e-DJF1)
O artigo 203, caput e inciso V, da Constituição Federal de 1988 assegura o pagamento de um salário mínimo mensal, independentemente de contribuição à Seguridade Social, a pessoas com deficiência e idosos que comprovem a impossibilidade de prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família, conforme a lei determinar.
Dessa forma, há um reconhecimento do compromisso do Estado e da coletividade para preservação da dignidade da pessoa humana.
A Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, estabelece como requisito para a concessão do benefício a renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
No entanto, há entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do tema repetitivo 185, com o Recurso Especial (REsp) nº 1.112.557/MG como caso paradigma, destacando que, para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a condição de miserabilidade do beneficiário pode ser demonstrada por meios de prova diversos, mesmo que a renda familiar per capita supere o limite de 1/4 do salário mínimo.
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. PROCESSAMENTO DO RECURSO ESPECIAL NOS TERMOS DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO No. 08/STJ
O STF, inclusive, em julgamentos como os Recursos Extraordinários (RREE) n. 580.963/PR e 567.985/MT, sob a sistemática da repercussão geral, reconheceu a possibilidade de adotar outros critérios além da renda per capita para determinar a miserabilidade que justifica o pagamento do BPC. Essa interpretação é seguida em diversos tribunais, como o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
Veja-se:
EMENTA. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF/88. (LOAS). DEFICIENTE. MULHER. 39 ANOS. ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE. HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADA. RECURSO DO INSS IMPROVIDO. (…) Apesar de a renda per capita ser um pouco superior a ¼ do salário mínimo, o STJ já firmou o entendimento no sentido que “a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, visto que esse critério é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade. Ademais, no âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz, não o sistema de tarifação legal de provas. Assim, essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, não podendo vincular o magistrado a um elemento probatório sob pena de cercear o seu direito de julgar” (REsp 1.112.557-MG, DJe 20/11/2009. AgRg no AREsp 202.517-RO, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 2/10/2012). No caso, a miserabilidade restou assentada pelas conclusões do laudo pericial, no que aludiu à carência econômica da parte autora e na real necessidade da concessão do benefício requestado, a fim de garantir condições mínimas de subsistência à recorrente
No entanto, destaca-se que o Benefício de Prestação Continuada não pode ser acumulado com outros benefícios previdenciários ou assistenciais,
Portanto, diante da possível negativa do INSS com base no teto estabelecido para o BPC, o beneficiário, incluindo os portadores de Transtorno do Espectro Autista (TEA), devem pleitear a revisão judicial, buscando a concessão do benefício.
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